segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Eu queria viver de frila tipo home office, escrevendo o que eu gosto com fones de ouvidos para não me distrair com o mundo exterior. Escrever as vezes com graça, as vezes sem graça. E mesclar a minha vida com outras que não tem nada a ver comigo, tipo isso:

SOBRE A MINHA LITERATURA

A vida está de brincadeira com a menina. A vida caçoa da menina para mostrar para ela que só é certo que a lua tem controle sobre a maré e mais nada. E depois ninguém mais controla nada, as águas que invadem a praia e formam aquela espuma grossa e salgada e ela vai entrando por onde ela bem entender. Não há barreiras. A água contorna as barreiras. A água vai invadindo e espumando a vida da menina, e deixando tudo salgado, umedecendo tudo, bagunçando tudo e não há o que se fazer a não ser esperar a lua dar o comando de recuo. E quando a lua diz: volta, água, então já está tudo estragado, sem volta.

A menina sabe exatamente onde ela errou: foi num bocadinho da auto-confiança. Quando o menino disse: vou-me embora, ela deu de ombros. E disse, em despeito: vou também. E foi. Se ela dissesse: fica, quem sabe seria tudo diferente. Mas o “se” não importa agora para ela. Não foi. Não é. Agora, nunca será.

Antes disso, ela era uma menina feliz. Ela achava que o mundo era dela e que nada poderia deixá-la triste, nem por um minuto sequer. Tantas pessoas foram embora, e ela continuava se sentindo bem, cheia de si, de convicções e de sonhos.

Ao sair pela porta, aquele rapaz levou com ele uma parte da essência, a parte que a todos encantava. E ela nunca mais encontrou essa parte dela.

Algumas vezes ela chorava baixinho. Outras vezes, ela fingia que nada estava acontecendo.
Nada foi por mal. Nada. Mas agora ela tinha uma história triste, num mundo em que esse tipo de desfecho não cabia. Onde ficou a perfeição, ninguém sabe. E, a partir daí, a vida fez muito mais – ou muito menos.

A vida atou as mãos que gostavam de filtrar o vento. Atou com nós de marinheiro. E foi enfiando pessoas legais e pessoas horríveis e gente de todo jeito em uma história que não cabia mais ninguém. Era tanta gente que já não se reconheciam os protagonistas. Ela deixou de ser protagonista da própria história. Se ela morresse, quase ninguém notaria, porque seu papel já era tão pequenininho e imperceptível que a esqueceram num cantinho qualquer do mundo.

Mas as coisas não podiam ficar desse jeito. O final sempre há de ser feliz.

A menina sentou na areia da praia, com os olhos marejando, e não escreveu na areia para que se apagasse, porque ela não queria que se apagasse. Ela escreveu numa pedra, com tinta azul e muito forte, para que alguém notasse:

Por favor, garoto, devolva-me o que levou de mim, para que eu possa me reconhecer novamente. Só assim não serei, ao meu olhar, alguém mais para vagar a vida.
O que a menina não sabia é que ela nunca mais seria quem foi no passado. E se preocupava tanto em ser, no futuro, o que era passado, que se perdeu no agora. Não se reconhecia no agora. E quando a gente se perde da gente mesmo, aí então ninguém mais nos reconhece.

Voltando para a casa, com os pés na água, os cabelos melados pelo vento salgado, ela teve um suspiro de esperança de se reencontrar. Os olhos fechados sentiam a brisa fresca do fim da tarde e ela cantarolava uma canção qualquer de amor achando que a vida ia lhe dar uma chance. Nem que fosse a última. E ela iria conseguir resgatar o que perdeu um dia, por aí.

E aí é que a vida sorri. Sorri, não, gargalha, desenfreada, como uma louca. E lhe sopra nos ouvidos: você teve a sua chance, sua tola. E desperdiçou. Acha mesmo que ele vai querer lhe devolver o que você deixou que ele levasse embora? “Mesmo que não lhe sirva mais”, disse a menina, “eu espero que ele carregue com ele o que lhe dei”. “E não lhe serve mais mesmo”, respondeu a vida, “mas o que se dá, não se pede de volta”.

A vida tem razão. Não se pede de volta o que se dá. Muito menos amor. O amor que lhe sobra, que lhe transborda, que lhe adoece. O amor que suspira. O amor que cresce e não tem para onde ir.

A menina desejou que a maré a engolisse naquele momento, mas quem manda na maré é a lua. E a lua míngua.

Com lágrimas nos olhos, a menina continuou caminhando para um mar cada vez mais distante, e continua caminhando até hoje. A areia fofa lhe causa fadiga, mas não há o que se fazer. E então, quando a maré subir, ela poderá mergulhar. Mesmo sabendo exatamente onde se perdeu, o ponto exato, quando é tarde demais não há o que se fazer. Mesmo que ela pedir que ele fique, ele já se foi. E a vida ri.

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